A um mês da abertura dos Jogos Olímpicos, o Rio ainda vem tentando responder a questionamentos sobre sua capacidade para sediar o maior evento esportivo do mundo. Além da estrutura para os atletas e turistas, uma das preocupações é sobre a possibilidade de ataque terrorista.
Em entrevista à DW Brasil, o especialista em terrorismo David Kilcullen, ex-estrategista-chefe de Antiterrorismo do Departamento de Estado dos EUA, afirma que o Brasil será capaz de prover a segurança necessária aos visitantes durante os Jogos. Kilcullen, no entanto, alerta que a crise política no paíspode prejudicar a coordenação dos trabalhos em âmbitos estadual, municipal e federal.
Embora ressalte que terroristas "sempre encontram uma desculpa" na escolha do alvo, o australiano explica que o Brasil não reúne as mesmas condições de exclusão social de comunidades muçulmanas como países da Europa Ocidental, que facilitam o recrutamento por parte do "Estado Islâmico".
"Não acho que o Rio seja mais alvo do que qualquer outra cidade que tenha sediado Jogos", afirma. "Eu estaria mais atento à população nas favelas e ao crime organizado e à possibilidade de fecharem linhas de transporte de acesso aos locais das competições."
DW Brasil: Como o senhor avalia o risco de ataques terroristas durante os Jogos do Rio?
David Kilcullen: Qualquer evento de grande porte, especialmente internacional, pode ser alvo de terrorismo. Mas não acho que o Rio seja mais alvo do que qualquer outra cidade que tenha sediado Jogos Olímpicos, como Atenas e Londres. O Rio é, sim, uma cidade maior e mais complexa do que Londres, mais complicada para prover segurança. Além disso, o Brasil mantém-se neutro em termos geopolíticos, mas empresas como a Embraer fornecem aeronaves para a força aérea afegã atacar o "Estado Islâmico". E se você é um jihadista, sempre consegue encontrar uma desculpa para atacar alguém. Por isso, preocupar-se em tornar-se menos alvo não é uma abordagem realista. É preciso, sim, fazer com que as cidades sejam mais resistentes em caso de ataque, saibam responder a ele, para que não haja um desastre.
Na América Latina e no Brasil, há muito tempo vivem comunidades árabes – particularmente libanesas – que não são imigrantes marginalizados, mas sim, ligados a negócios. A existência de populações marginalizadas, excluídas da participação econômica e política, e observadas sob suspeita, gera um ambiente fértil para extremismos e violência. Olhando para o Brasil, eu estaria mais atento à população nas favelas e ao crime organizado e à possibilidade de fecharem linhas de transporte de acesso aos locais das competições.
DW: A crise que o Brasil vive no momento poderia afetar a eficiência da resposta no caso de um ataque?
DC: O que observo no Brasil é uma abordagem de policiamento militar muitas vezes ineficaz, pode até funcionar em certas circunstâncias, mas pode acabar saindo pela culatra, gerando ressentimento e criando áreas praticamente sem presença de policiamento e, quando a polícia aparece, sabe que será atacada de volta. Existe também uma questão de capacidade: cidade e Estado serão capazes de responder rapidamente em caso de urgência, evitando transformar a situação em uma crise ainda maior?
Acredito que o Brasil será capaz de responder efetivamente. Há alguns anos funciona no Rio um centro de controle de segurança que centraliza dados. Há ainda um protocolo de ação estabelecido e a experiência positiva da Copa do Mundo. Mas é claro que instabilidade política em um nível alto pode tornar mais difícil, porque você poderá ter que contar, durante os Jogos Olímpicos, com pessoas que não tiveram experiência anteriormente à frente desses sistemas.
DW: Como a segurança poderia ser afetada?
DC: Há o envolvimento, durante as Olimpíadas, de diferentes forças policiais e esferas políticas. E coordenar tudo é algo complicado. Estabelecer um mecanismo para compartilhar informações rapidamente, verificar o que está acontecendo, onde, e responder de maneira apropriada, é mais difícil do que se imagina.
Durante o ataque de Mumbai em 2008, por exemplo, a força policial da cidade, o Mahastra State Constabulary, e o governo federal não conseguiram coordenar muito bem as ações, e acabaram a atrasando uma resposta em mais de quatro horas, e houve mortes até eles chegarem.
Quando um ataque acontece, há a tendência de responder a ele achando que acabou aí. E aí em seguida outros atentados ocorrem. Este foi o caso de Paris, quando sete ataques aconteceram num intervalo de 90 minutos. Primeiramente houve três ataques – uma estratégia para desviar a atenção dos órgãos: polícia, bombeiros, serviços de emergência. Quando todos estavam ocupados, e a cidade praticamente fechada, outros ataques ocorreram. Esta é uma estratégia adotada agora pelos terroristas.
DW: E como lidar com essa estratégia terrorista?
DC: O mais importante é admitir que pode haver ataques e não ficar pensando muito em como evitá-los, mas em como responder quando acontecerem. Vou dar um exemplo que vai parecer extremo: a Primeira Guerra Mundial começou com um ataque terrorista contra o arquiduque Francisco Fernando. O ataque em si causou três mortes, mas a guerra gerou milhões. O número de pessoas que morreram no atentado às Torres Gêmeas foi superado em muito pelas mortes que ocorreram nos conflitos decorrentes do 11 de Setembro.
Eu tendo a focar em como fazer com que o sistema seja suficientemente robusto para que possa resistir em caso de ataque sem que sofra um colapso total, sem que haja uma onda de violência. Um bom exemplo disso seria Sidney em dezembro de 2014, quando um homem fez reféns em um café no coração financeiro da cidade.
A resposta imediata das autoridades foi fechar a área onde o ataque estava acontecendo. Mas fizeram de tal maneira que apenas aquela área foi bloqueada. O resto do centro, ruas, trens, continuaram funcionando. Eles tentaram minimizar a interrupção no restante da cidade, por isso, embora o caso tenha levado um dia inteiro para ser resolvido, e reféns acabaram sendo mortos, a cidade não foi tumultuada mais do que deveria.
Este é um exemplo de sistema flexível, que não fica totalmente destruído quando um incidente acontece. Além disso, as pessoas em Sidney foram às comunidades muçulmanas para dizer "não foi culpa de vocês, foi um cara maluco, estamos com vocês", como num movimento para abraçar a comunidade. Voluntários se ofereceram para andar de trem com pessoas que se sentiam inseguras; houve um movimento no Twitter para diminuir a reação negativa. Isso foi de grande importância para que os ataques terroristas não gerassem uma paranoia, o que levaria a mais violência.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/crime-organizado-preocupa-mais-que-terrorismo-no-rio